Dois dias andando de ônibus e já constatei muitas coisas; a primeira: que desaprendi a andar de ônibus. A cada solavanco – e são muitos ! – só falto me estabocar de tanto mau jeito, enquanto a galera mantém uma fleuma e elegância aristocráticas.
A segunda coisa é que andar de ônibus é uma das melhores maneiras de se antenar com a língua, os hábitos e a vida de nossos conterrâneos. Hoje, a moça a meu lado dizia ao celular que queria “queimar uma carne e tomar uma gelosa sexta-feira”. Fosse eu a francesinha que conheci ontem, se aventurando pelo Brasil sem falar muito português, poderia suspeitar, horrorizada, de que a vizinha de assento fizesse parte de algum culto satânico incinerador de gente, submetendo, a seguir, as vítimas calcinadas a poderoso resfriamento instantâneo, após o qual pudessem ser saboreadas sob a forma de picolé Capelinha.
Constatei, ainda, que os rapazes o serão sempre:
– Aí passou o cara, véi, pegou na ponta do cabelo da gata e disse: “Você é linda.”
– Ih, ela deu mole, hein? – comentou o gordinho com cara de quem não pega ninguém.
– Que mole, cara? !? Ela tava comigo, o cara passa e pega na ponta do cabelo dela, diz: “Você é linda.” ?? Eu ia dar era um pau nele, ela me segurou.
– Tá fumando orégano?!? Claro que ela deu mole! – teimou o gordinho.
– Eu ia era dale um jab que ele ia direto passar três noites no HGE! A gata não teve culpa!
O gordinho achou prudente não insistir em levantar falso contra a namorada do saradão.
Infelizmente meu ponto era o próximo; tive que pedir licença e claudicar do fundo do coletivo até a porta dianteira, esbarrando ossos, banhas e sacolas nos passageiros sentados e em pé.
Desafio a madame que seja, bem como as querentes, a atravessar um ônibus com o glamour de quem anda de buzu todos os dias. Eu peço arrego.
Eu ando de ônibus só de vez em quando, mas de metrô eu ando todo dia. O desafio é passar a viagem inteira (30min) sem me apoiar em nada. Eu não sabia definir a postura que mantenho, mas agora sei que ela é aristocrata.
Vc não vale, Rafa: conta com a ajuda imponderável do Mister.