Madame trafegava pela Octavio Mangabeira às duas e meia da tarde, sol brilhando com tamanho fulgor que nuvem alguma se atrevia a macular o azul do céu. Na altura de Patamares, o andar do automóvel começou a parecer estranho. Encostou a fim de verificar quesquecé.
Quase que imediatamente apresentou-se um rapaz de seus 18 anos, gentilmente se dispondo a ajudá-la. Durante suados muitos minutos, tentou com bravura remover o pneu furado. Chegou a ficar em pé na chave de roda, forçando-a com o peso do corpo, mas os parafusos danados de salitre se recusaram a mexer um centímetro que fosse.
Com o bom samaritano já ensopado de suor, ela viu que não tinha jeito.
- Deixe pra lá, só chamando o guincho. Mas peraí que vou te dar alguma coisa.
Abriu a porta e já alcançava a bolsa no banco do carona quando o menino chegou bem perto, mostrando uma protuberância sob a camiseta. Ordenou, retumbante:
- Passe a grana!
Ela olhou para ele, perplexa.
- Como é? Não entendi…
- Passe a grana, depressa!
- Ôxente, você tá me assaltando?!? Mas você não tava me ajudando até agora?!??
- É assalto, sim! Me dê logo a bolsa!
- Mas não pode ser! Cê tá maluco?!? Como é que pode ter me ajudado tanto tempo e agora tá me assaltando??!?
- Vombora, tia!!
- Mas você não tá vendo que não pode ser gente boa num momento e no outro virar ladrão?!?
O garoto parecia não acreditar no papo brabo e resolveu endurecer:
- Eu te mato, viu?
- Mata, coisa nenhuma! Saia daqui, vá! Chispa!
Os olhos do moço chamejaram de ódio. Ela pensou maluca sou eu e se arrependeu de não ter logo dado tudo. Mas a bala não veio e madame entendeu que o menino não estava armado zorra nenhuma. Como se adivinhando o pensamento da coroa, ameaçou vou te enforcar! Recebeu um olhar incrédulo. Sorriu amarelo:
- Eu tava brincando, tia! Tá vendo? É minha carteira!
Ela entrou no carro e não quis mais conversa:
- Vá embora! Vá embora já, que vou chamar a polícia!
O rapaz atravessou a avenida picado e sumiu no mundo. Madame ligou para o seguro e depois 190, que acabou chegando uma hora mais tarde, cheio de metralhadora e vontade.